Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.



VERBETES




Ocupação

Naira Lisboa Franzoi

Dentre as diversas acepções do termo, este verbete trata da atividade laboral desempenhada por um indivíduo, não se detendo na distinção entre ‘ocupação’ e profissão (para essa discussão ver: profissão). Pode-se entender como ‘ocupação’ o lugar de um indivíduo na divisão social e técnica do trabalho. Tal divisão classifica e hierarquiza os indivíduos, o que envolve aspectos subjetivos e identitários. Nesse sentido, se está falando de categorias ocupacionais. Os indivíduos se reconhecem e são reconhecidos por grupos que desempenham as mesmas atividades e organizam-se a partir desse reconhecimento. Prévia a esta categorização é aquela que classifica os indivíduos em dois grandes agregados: os que têm ou não algum lugar nessa hierarquia fundada no trabalho.

Historicamente, as tentativas de estabelecer tal demarcação estão fortemente associadas à necessidade de uma sociedade assegurar sua coesão, atacando aquilo que lhe pode causar ameaça e, para isso, diferenciando o que seria uma política para a assistência de uma política para o trabalho. 

É possível identificar, nos meados do século XIV, uma espantosa convergência de iniciativas dos poderes centrais, ou de poderes locais, em diferentes países da Europa, para regulamentar e limitar a mobilidade profissional e geográfica dos trabalhadores braçais. De maneira geral, todas essas regulamentações tinham o mesmo tom do Estatuto dos Trabalhadores de 1349, promulgado por Eduardo III, rei da Inglaterra, que obrigava a todos a permanecerem fixos em seu local de trabalho e a contentar-se com sua condição e com a retribuição dela advinda. Pouco tempo depois, Ricardo II acrescenta a tal decreto a obrigação, para os empregados que deixam seu posto, de portar um atestado emitido pela autoridade local, sem o qual seriam detidos. Ao mesmo tempo, decreta que quem tivesse trabalho agrícola não poderia escolher outro trabalho braçal (Castel, 1998). 

Tal convergência de regulamentações pode ser explicada pelo contexto da época. A sociedade européia vive um abalo das instituições feudais, dado pelo desequilíbrio das estruturas agrárias até então vigentes, expulsando para as cidades aqueles que não podem mais viver da terra. No entanto, as cidades não têm mais a capacidade de acolhimento de um período anterior, de maior expansão do artesanato e do comércio. O rigoroso sistema de hierarquias, em que estão inscritas as corporações de ofício, não tem lugar para essa nova figura representada por uma mão-de-obra flutuante que ameaça a coesão social.

Surge, pois, um novo perfil do ‘vagabundo’ (de ‘vaguear’, ‘perambular’), que perambula em busca de um lugar para si: sem trabalho e sem reconhecimento, porque sem pertencimento comunitário. Mais tarde, em 1701, na França, decreta-se que são “vagabundos aqueles que não têm profissão, nem ofício, nem domicílio certo, nem lugar para subsistir”, ao que o Decreto Real de 1764 acrescenta à cláusula “todos aqueles que não têm profissão nem ofício” o quantificativo “há mais de seis meses” (Castel, 1998, p. 121). Tratava-se de distinguir os adeptos de uma vida ociosa dos que procuravam trabalho e de traçar uma linha divisória entre os da alçada da ‘polícia dos pobres’ e das políticas de trabalho. A vagabundagem, na sociedade pré-industrial, embora expresse uma questão social, oculta-a porque a desloca para a margem extrema da sociedade, até fazer dela quase uma questão de polícia (Castel, 1998). 

Contemporaneamente, as demarcações e mensurações das populações ocupadas e não ocupadas têm objetivos correlatos. O Estado de Bem-Estar Social baseou-se claramente em tal demarcação para estabelecer suas políticas de seguridade social, diferenciadas para cada uma dessas populações – afetas, assim, à esfera do trabalho ou da assistência. 

Não por acaso, a preocupação com a classificação e construção de parâmetros internacionais para as estatísticas de emprego surgem no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na década de 1920, objetivando estabelecer medidas para o desemprego. No pós-guerra, em 1947, o tema ressurge com ênfase no “desemprego enquanto principal problema social para o emprego, como objetivo central do planejamento econômico” (ILO apud Hoffmann & Brandão, 1996, p. 5). As orientações da OIT vão dar origem às mensurações da população ocupada no Brasil. No entanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Departamento Intersindical de Economia e Estatística (Dieese) em parceria com a Fundação Sistema Estadual de Dados (Seade) do governo de São Paulo utilizam diferentes conceitos de ‘ocupação’ para embasar suas metodologias, repercutindo em formas diferenciadas de definir a relação dos indivíduos com o trabalho, debate este que mereceria um tratamento mais longo. 

É a partir desse contexto que podem ser entendidas as classificações ocupacionais no Brasil. No país, a regulamentação profissional/ocupacional está intimamente ligada ao conceito de “cidadania regulada” utilizado por Santos (1979). Segundo o autor, a regulação ocupacional foi a estratégia selecionada pela elite dirigente brasileira, pós 1930, como condição prévia para implementar políticas sociais. Isso restringia a abrangência dos direitos, dividindo os trabalhadores entre trabalhadores ‘formais’ – aqueles cuja ‘ocupação’ era regulamentada e, portanto, sujeitos desses direitos – e os ‘informais’, excluídos de qualquer direito:

A associação entre cidadania e ocupação proporcionará as condições institucionais, para que se inflem, posteriormente, os conceitos de marginalidade e de mercado informal de trabalho, uma vez que nestas últimas categorias ficarão incluídos não apenas os desempregados, os subempregados e os empregados instáveis, mas, igualmente, todos aqueles cujas ocupações, por mais regulares e estáveis, não tenham sido ainda regulamentadas. (Santos, 1979, p. 75-76) 

A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que descreve as ‘ocupações’ brasileiras sem função de regulamentação, embora editada pela primeira vez em 1982, obedecia a uma estrutura elaborada em 1977, como resultado de um convênio firmado entre o país e a Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio da OIT, tendo como base a Classificação Internacional Uniforme de Ocupações (CIUO) de 1968. Atualizada em 2002, nomeia e codifica os títulos das ‘ocupações’ do mercado de trabalho brasileiro e seus conteúdos. Com isto pode ser utilizada tanto para registros administrativos (como a Relação Anual de Informações Sociais – Rais; Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged; Seguro desemprego; Censo demográfico; Pesquisa nacional por amostra de domicílios – Pnad – e pesquisas de emprego e desemprego) quanto para subsidiar os serviços de recolocação de trabalhadores como o realizado no Sistema Nacional de Empregos (Sine) e a elaboração de currículos de formação profissional de escolas, de empresas e de sindicatos. (Brasil/MTE, 2002).

Ocupação’, para a CBO,

é um conceito sintético não natural, artificialmente construído pelos analistas ocupacionais. O que existe no mundo concreto são as atividades exercidas pelo cidadão em um emprego ou outro tipo de relação de trabalho (autônomo, por exemplo). Ocupação é a agregação de empregos ou situações de trabalho similares quanto às atividades realizadas. O título ocupacional, em uma classificação, surge da agregação de situações similares de emprego e/ou trabalho. (Brasil/ MTE, 2002, p. 1)
  
Para saber mais

BRASIL/MTE. Classificação Brasileira de Ocupações. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br . Acesso em: 20 ago. 2006. 

CASTEL, R. As Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. 

HOFFMANN, M. B. P. & BRANDÃO, S. M. C. Medição de emprego: recomendações da OIT e práticas nacionais. Cadernos do Cesit, 22, nov., 1996. 

SANTOS, W. G. dos. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

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