Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.



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Divisão Social do Trabalho

Denise Elvira Pires

O termo divisão do trabalho é encontrado em estudos oriundos de diversas áreas do conhecimento, como a economia, a sociologia, a antropologia, a história, a saúde, a educação, dentre outras, e tem sido utilizado com diversas variações. Em termos genéricos refere-se às diferentes formas que os seres humanos, ao viverem em sociedades históricas, produzem e reproduzem a vida. As variações encontradas no termo divisão do trabalho podem ser organizadas em quatro grupos, cada uma referindo-se a diferentes fenômenos sociais relativos às formas de produzir bens e serviços necessários à vida: 1) ‘divisão social do trabalho ou divisão do trabalho social’; 2) ‘divisão capitalista do trabalho, ou divisão parcelar ou pormenorizada do trabalho, ou divisão manufatureira do trabalho, ou divisão técnica do trabalho’; 3) ‘divisão sexual do trabalho’; 4) ‘divisão internacional do trabalho’.

Divisão social do trabalho

A expressão ‘divisão social do trabalho’ tem sido usada no sentido cunhado por Karl Marx (1818-1883) e também referendada por autores como Braverman (1981) e Marglin (1980) para designar a especialização das atividades presentes em todas as sociedades complexas, independente dos produtos do trabalho circularem como mercadoria ou não. Designa a divisão do trabalho social em atividades produtivas, ou ramos de atividades necessárias para a reprodução da vida. Marx, em O Capital (1982), diz que a ‘divisão social do trabalho’ diz respeito ao caráter específico do trabalho humano. Um animal faz coisas de acordo com o padrão e necessidade da espécie a que pertence, enquanto a aranha é capaz de tecer e o urso de pescar, um indivíduo da espécie humana pode ser, “simultaneamente, te celão, pescador, construtor e mil outras coisas combinadas” (Braverman, 1981, p. 71). Essa capacidade de produzir diferentes coisas e até de inventar padrões diferentes dos animais não é possível ser exercida individualmente, mas a espécie como um todo acha possível fazer isso, em parte pela divisão do trabalho.

“A divisão social do trabalho é aparentemente inerente característica do trabalho humano tão logo ele se converte em trabalho social, isto é, trabalho executado na sociedade e através dela” (Braverman, 1981, p. 71-72). A produção da vida material e o aumento da população geram relação entre os homens e divisão do trabalho. Os vários estágios da divisão do trabalho correspondem às formas de propriedade da matéria, dos instrumentos e dos produtos do trabalho verificados em cada sociedade, nos diversos momentos históricos (Marx, 1982).

A divisão do trabalho sempre existiu. Inicialmente, dava-se ao acaso, pela divisão sexual, de acordo com a idade e vigor corporal. Com a complexidade da vida em sociedade e o aprofundamento do sistema de trocas entre diferentes grupos e sociedades, identifica-se a divisão do trabalho em especialidades produtivas, designada pela expressão ‘divisão social do trabalho’ ou divisão do trabalho social. Esta forma de divisão do trabalho ficou bem caracterizada na estrutura dos ofícios da Idade Média. Os artesãos organizados nas guildas, ou corporações de artífices, constituíam uma unidade de produção, de capacitação para o ofício e de comercialização dos produtos. Apesar de existir, entre mestres-companheiros-aprendizes, divisão do trabalho, hierarquia e também atividades de coordenação e gerenciamento do processo de produção, estas eram diferentes da divisão parcelar do trabalho e da hierarquia verificada na emergência das fábricas e do modo de produção capitalista. No artesanato, os produtores eram donos dos instrumentos necessários ao seu trabalho, tinham domínio sobre o processo de produção, sobre o ritmo do trabalho e sobre o produto, e também, quase certamente, havia ascensão a companheiro e muito provavelmente a mestre (Marglin, 1980).

Divisão parcelar ou pormenorizada do trabalho, divisão manufatureira do trabalho ou divisão técnica do trabalho

A ‘divisão parcelar ou pormenorizada do trabalho, divisão manufatureira do trabalho ou divisão técnica do trabalho’ é típica do modo de produção capitalista. Refere-se à fragmentação de uma especialidade produtiva em numerosas operações limitadas, de modo que o produto resulta de uma grande quantidade de operações executadas por trabalhadores especializados em cada tarefa. Surge em meados do século XVIII com a manufatura e caracteriza o sistema de fábricas. O capitalismo industrial começa quando um grande número de trabalhadores é empregado por um capitalista (Braverman, 1981). Inicialmente, o processo de trabalho era igual ao executado na produção feudal, no artesanato nas guildas (vidreiros, padeiros, ferreiros, marceneiros, boticários, cirurgiões). O domínio do processo estava com os trabalhadores. Ao reuni-los, seja nas guildas seja na oficina capitalista, seja no hospital, surge o problema da gerência. Para o próprio trabalho cooperativo já era necessário: ordenar as operações, centralizar o suprimento de materiais, registro de custos, folha de pagamentos etc. No capitalismo industrial manufatureiro, os trabalhadores ficam especializados em parcelas (tarefas/atividades específicas) do processo de produção dentro de uma mesma especialidade produtiva, e o controle do processo passa para a gerência.

Essa mudança tem como conseqüência para os trabalhadores a alienação e para o capitalista constitui-se em um problema gerencial. Esse fenômeno é qualitativamente diferente da ‘divisão social do trabalho’ na sociedade que foi explicada, inicialmente, pela clássica análise de Adam Smith (1723-1790), no An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (A Riqueza das Nações) a respeito do processo de produção em uma fábrica de alfinetes. A análise deste fenômeno de fragmentação do processo de produção foi mais bem qualificada com os estudos de Charles Babbage (em On the Economy of Machinery, de 1832) ao acrescentar que essa forma de divisão do trabalho não apenas fragmenta o processo permitindo um aumento da produtividade como também hierarquiza as atividades, atribuindo valores diferentes a cada tarefa executada por diferentes trabalhadores ou grupo de trabalhadores específicos. Assim, aumenta a produtividade não só pelo aumento numérico dos produtos em uma determinada unidade de tempo como também aumenta a produtividade diminuindo o custo da força de trabalho comprada pelo capitalista.

A emergência da ‘divisão parcelar do trabalho’ que muitos autores denominam ‘divisão técnica do trabalho’ (Abercrombie, Hill & Turner, 2000) ocorre no bojo de um processo mais amplo de mudanças, no qual se destacam: a apropriação capitalista dos meios de produção (força de trabalho, objetos de trabalho e instrumentos); a associação de diversos trabalhadores em um mesmo espaço físico, onde cada um desenvolve uma tarefa específica, e o produto só é obtido como resultado do trabalho coletivo, ou, nas palavras de Marx (1980), o produto resulta de um trabalhador coletivo; a modificação do papel da gerência para o de controle do processo e da força de trabalho; e a expropriação do trabalhador do produto do seu trabalho. Opera-se uma divisão entre trabalho manual (que transforma o objeto) e intelectual (a consciência que o trabalhador tem sobre o trabalho), separa-se concepção e execução.

O gerente controla o trabalho dos outros organizando o processo de trabalho com vistas a tirar o maior resultado possível. Gerência, como organização racional do trabalho no modo capitalista de produção, envolve o controle do processo de trabalho e do trabalho alienado, isto é, da força de trabalho comprada e vendida. A função da gerência, que no início do capitalismo é desenvolvida pelo proprietário do capital, passa a ser exercida por trabalhadores contratados, que, ao mesmo tempo, são empregados e empregadores de trabalho alheio, recebem melhor remuneração que os demais, representam e se articulam com os proprietários do capital, controlam o trabalho dos outros e organizam o processo de trabalho visando ao lucro (Braverman, 1981). O principal teórico da gerência aplicada ao modo de produção capitalista é Frederick Winslow Taylor (1856-1915) que formula o que chamou de ‘princípios da gerência científica’, incluindo a separação entre concepção e execução do trabalho; a separação das tarefas entre diferentes trabalhadores; e o detalhamento da atividade de modo que a gerência possa controlar cada fase do processo e seu método de execução, buscando obter maior produtividade do trabalho.

Divisão sexual do trabalho

A expressão ‘divisão sexual do trabalho’ tem sido utilizada mais recentemente, especialmente no contexto dos estudos de gênero, para expressar os diferentes papéis atribuídos a homens e mulheres na sociedade e no processo produtivo. As diferenças entre homens e mulheres são freqüentemente abordadas com o olhar biológico destacando as diferenças no papel reprodutivo. No entanto, este debate ganha nova qualificação com as críticas introduzidas pelas feministas à separação das esferas públicas e privadas na sociedade capitalista, na qual tem cabido às mulheres a esfera privada e de cuidado dos filhos e aos homens a esfera pública, incluindo o trabalho remunerado e as atividades de maior prestígio social (Abercrombie, Hill & Turner, 2000). Com a urbanização, a ampliação do acesso à educação e as conquistas dos movimentos de mulheres, houve uma ampliação do ingresso das mulheres no mercado de trabalho, no entanto ainda é significativa a desigualdade em termos de valorização do trabalho feminino em relação ao masculino. Até hoje, início do terceiro milênio, mesmo considerando as diferenças entre os diversos países e culturas, muitas mulheres rercebem menor remuneração do que os homens mesmo desenvolvendo trabalhos iguais; determinadas atividades são atribuídas ao feminino, pior remuneradas e menos valorizadas socialmente do que as que são atribuídas aos homens.

Divisão internacional do Trabalho

A expressão ‘divisão internacional’ do trabalho diz respeito à posição dos países no mercado e no processo produtivo global, bem como à dinâmica dos padrões de acumulação de capital no contexto planetário. No atual contexto de globalização, a expressão ‘nova divisão internacional do trabalho’ tem sido usada para designar as mudanças no mercado, na distribuição de capital e das empresas, bem como no fluxo da força de trabalho entre os países, especialmente a relação ‘centro-periferia’. Ou seja, a relação países capitalistas desenvolvidos, países emergentes e países pobres ou com pouco potencial competitivo na economia global (Henk, 1988).

Para saber mais

ABERCROMBIE, N.; HILL, S. & TURNER, B. The Penguin Dictionary of Sociology. 4.ed. London: Penguin Books, 2000.

BRAVERMAN, H. Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar,1981. (1.ed., 1974)

HENK, T. The erosion of trade unions. In: HENK, T. (Ed.) Globalization and Third World Unions: the challenge of rapid economic change. London/New Jersey: Zed Books, 1988.

MARGLIN, S. A. Origem e funções do parcelamento das tarefas. Para que servem os patrões? In: GORZ, A. (Org.) Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1980. (1.ed., 1973)

MARX, K. O Capital. 8.ed. São Paulo: Difel, 1982. Livro 1, v.1. (1.ed., 1867) SMITH, A. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. 5.ed. London: Methuen and Co./Edwin Cannan, 1904. (1.ed., 1776).

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