Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.



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Gestão em Saúde

Gastão Wagner de Sousa Campos Rosana Teresa Onocko Campos

Um campo aplicado de conhecimento

Em vários dicionários gestão e administração aparecem como sinônimos. O Houaiss – Dicionário da Língua Portuguesa – assim define esses termos: “Ato ou efeito de administrar; ação de governar ou gerir empresa, órgão público [...]. Exercer mando, ter poder de decisão (sobre), dirigir, gerir” (Houaiss, 2001, grifos nossos).Os termos gestão e administração referem-se ao ato de governar pessoas, organizações e instituições. Política, portanto. Gestão diz respeito à capacidade de dirigir, isto é, confunde-se com o exercício do poder. Em sua origem, na Grécia clássica, o termo 'política' tinha exatamente esse significado. 'Polis' era a cidade, e a política era a capacidade de fazer a gestão democrática das cidades estado.

Vale a pena ressaltar essa relação entre gestão e política porque a constituição da administração e da gestão, como um campo estruturado e sistemático de conhecimento, pretendeu, exatamente, produzir uma ruptura ou uma descontinuidade entre a política e a gestão. No princípio do século XX, o engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor publicou o livro 'Princípios da Administração Científica', considerado como marco zero de um novo campo de conhecimento. Taylor pretendeu apresentar uma metodologia que permitisse a existência de uma gestão técnica, com base em evidências, e não orientada por disputas políticas entre interesses e valores distintos. Trata-se de uma obra clássica do pensamento administrativo. Clássica e fundadora de um estilo de governar que, em seus princípios gerais, não foi ainda superado. Ainda que o campo da gestão tenha se ampliado desde 1911, a disciplina e o controle continuam sendo o eixo central dos métodos de gestão. A centralização do poder nos gestores (dirigentes) é a pedra de toque das múltiplas variedades de métodos de gestão ainda hoje existentes. Tanto o 'segundo princípio' da teoria taylorista (separação entre trabalho intelectual, o momento da concepção, daquele de execução) quanto o 'quarto princípio' (centralização do poder de planejar e de decidir na direção da empresa), buscam limitar a autonomia e iniciativa do trabalhador.

Essa obsessão em retirar poder do trabalhador é um dado concreto, evidenciado pelo fato das distintas escolas ainda não haverem elaborado uma crítica sistemática à função controle. Nos anos trinta, a escola das Relações Humanas criticou a concepção taylorista do homem, valorizando fatores subjetivos no funcionamento concreto da empresa. Entretanto, essa nova percepção apenas ampliou os recursos técnicos empregados para controlar. Além do estímulo econômico direto, melhoria das condições de trabalho e investimento sobre o afeto das pessoas para condicioná-las aos objetivos da empresa. A Teoria de Sistemas, o Desenvolvimento Organizacional, a Qualidade Total e congêneres enriqueceram a visão sobre a organização, chegando a prometer maior autonomia e melhor integração do empregado ao projeto geral da empresa. Gestão matricial, achatamento do organograma, delegação de poder para planejar e decidir aos trabalhadores da base. No entanto, o âmbito  dessas mudanças tem sido muito restrito, admite-se liberdade tão-somente para que todos trabalhem melhor segundo o interesse e a visão da direção geral. Autonomia e integração para inventar novos modos para resolver problemas internos, sempre no sentido de aumentar a produtividade e não no de enfrentar questões atinentes aos próprios trabalhadores. No fundo, a Qualidade Total e outros métodos de reengenharia ou de desenvolvimento organizacional operam com a idéia de abrir a empresa à concorrência, como se fosse instituído um micro mercado dentro dos muros da Organização. Matar ou morrer, uma exacerbação da concorrência entre as equipes e as pessoas, uma nova lei. Tudo isso, não favorece a democracia ou a convivência solidária. Ao contrário, exacerba a concorrência entre os trabalhadores e aumenta, em decorrência, a dependência da chefia. Afinal, serão os chefes os julgadores do sucesso ou insucesso do desempenho de cada um. Alguns autores contemporâneos têm se referido, inclusive, ao 'gerencialismo' como sendo uma nova ideologia, uma doença social, que ampliou o controle sobre o trabalho em um grau nunca antes observado.

O método denominado 'atenção gerenciada' (managed care), que vem sendo proposto para os serviços de saúde, é exemplar dessa tendência. Imagina diminuir custos e aumentar a eficácia do trabalho em saúde, retirando dos profissionais, particularmente dos médicos, a capacidade de decisão sobre o próprio trabalho clínico. Esse poder é passado aos gerentes, que por meio de minuciosos protocolos - padronização de condutas diagnósticas e terapêuticas - controlam e determinam o que fazer no cotidiano dos trabalhadores.

Gestão em saúde

A gestão em saúde é quase tão antiga quanto a Saúde Pública. A Saúde Pública sempre recorreu a várias especialidades e campos de conhecimento, nasceu interdisciplinar quando esta expressão sequer fora ainda cunhada. A Saúde Pública baseou-se na medicina, microbiologia, zoologia, geologia, entre outras ciências, para pensar explicações para o processo saúde e doença. Dessa junção, nasceria tanto a administração sanitária quanto a epidemiologia. Foi, portanto, ainda nos primórdios da Saúde Pública que ocorreu a constituição de um campo de conhecimentos, denominado 'administração sanitária e de práticas em saúde'. Encarregava-se de pensar a administração de um pedaço do Estado, os nascentes departamentos, escolas e laboratórios de saúde pública, mas, distinguia-se da Administração de Empresas porque procurava articular a gestão às 'práticas' consideradas eficazes para debelar os problemas coletivos de saúde. Tratava-se, portanto, de uma área que procurava compatibilizar conhecimentos sobre administração pública com procedimentos sanitários considerados eficazes no combate a epidemias. A administração em saúde na medicina de mercado apresentava menos especificidades; em geral, adaptava elementos da teoria geral a hospitais e clínicas.

A administração sanitária, em seus primórdios, importou muitos conceitos e modos de operar do campo militar. Da gestão de conflitos armados e de guerras, a Saúde Pública importou a idéia de considerar a doença, os germes e as condições ambientais insalubres como inimigos. Sendo inimigos havia de erradicá-los, controlá-los e vigiá-los. Planejamento estratégico e tático, programas sanitários e gestão operacional. Da arte da guerra importaram-se também os conceitos de erradicação e de controle, de risco, de vigilância e de análise de informação.

A gestão em saúde é um desdobramento contemporâneo dessa tradição. Evidente que no lugar da guerra entraram conceitos originários da Ciência Política, da Sociologia e da Teoria Geral da Administração. Em meados do século XX houve uma ampliação do objeto e do campo de intervenção da gestão em saúde. Nessa época, em alguns países europeus, inicialmente na Grã-Bretanha, Suécia e União Soviética e, mais tarde, em inúmeras outras nações da Europa, América e Oceania, foram construídos os Sistemas Nacionais e Públicos de Saúde. Com essa finalidade desenvolveu-se toda uma cultura sanitária voltada para a organização de serviços e programas de saúde segundo uma nova racionalidade. O Estado foi responsabilizado pelo financiamento e gestão de uma rede de serviços constituída segundo o conceito de integração sanitária. Essa rede pública não executaria apenas ações de caráter preventivo e de relevância coletiva, mas assumiria também a atenção clínica, ou seja, a assistência individual em hospitais e outros serviços. Com essa finalidade foi cunhado o conceito de hierarquização e regionalização dos serviços, inventando-se a modalidade de rede denominada de atenção primária.

O antigo arcabouço de conhecimentos da administração sanitária era claramente insuficiente para dar conta da complexidade dessa nova política pública. Em função disso, em vários desses países houve, ao longo do século XX, um esforço de investigação voltado para o desenvolvimento de novos arranjos organizacionais e novos modelos de atenção à saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) estimularam tanto a produção de conhecimentos nessa área quanto trataram de sistematizar a difusão dessas experiências e dessa tecnologia sobre organização, planejamento e gestão dos serviços de saúde. Em decorrência desse fenômeno houve uma aproximação entre as áreas da Clínica e o campo da Saúde Pública. São desse período o desenvolvimento de estudos sobre sistemas locais de saúde, modelos de atenção, gestão de pessoal, atenção primária, planejamento e programação em saúde. Observa-se como um fato curioso o pequeno envolvimento da área de Gestão e Planejamento, no Brasil, com hospitais, talvez explicado pelo afastamento histórico da Saúde Pública deste pedaço dos sistemas de saúde. A formação de gestores para hospitais foi marcada por cursos compostos segundo a lógica específica das áreas de Economia e da Administração de Empresas. Somente nos últimos anos, observa-se um esforço da área para recompor a formação e a pesquisa em gestão hospitalar.

Buscando superar a perspectiva restrita das teorias administrativas têm sido desenvolvidas análises que procuram ampliar e democratizar a gestão. Discute-se a gestão participativa, o controle social dos gestores pela sociedade civil e várias formas de co-gestão em saúde.

Para saber mais

BROW, G. D. Managed Care. Springfiel: Merrian-Webster Inc., 1996.

CAMPOS, G. W. S. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São Paulo: Editora Hucitec, 2000.

FERLIE, E.; ASBURNER, L.; FITZGERALD, L.; PETTIGREW, A. A nova administração pública em ação. Brasília: Editora UnB & Enap, 1999.

GUALEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Idéias & Letras, 2007.

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Disponível em: www.houaiss.uol.com.br/busca.jhtm

LOURAU, R. A Análise Institucional. 2aed. revisada. Tradução de Marino Ferreira. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1995.

MORGAN, G. Imagens da Organização. Tradução de Cecília W. Bergamini e Roberto Coda. São Paulo: Editora Atlas, 1998.

MOTTA, F. C. P. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 14a ed., 1989.

TAYLOR, F. W. Princípios da Administração Científica. São Paulo: Editora Atlas, 1960.

TESTA, M. Pensar en Salud. Buenos Aires: Lugar editorial, 1997.

TRATENBERG, M. Burocracia e ideologia. São Paulo: Editora Unesp, 2006.

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