Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.





Educação Corporativa

Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos Nayla Cristine Ferreira Ribeiro

A Educação Corporativa consiste em um projeto de formação desenvolvido pelas empresas, que tem como objetivo “ institucionalizar uma cultura de aprendizagem contínua, proporcionando a aquisição de novas competências vinculadas às estratégias empresariais” (Quartiero & Cerny, 2005, p.24).

Segundo Jeanne Meister (1999), a Educação Corporativa é um “guarda-chuva estratégico para desenvolver e educar funcionários, clientes, fornecedores e comunidade, a fim de cumprir as estratégias da organização” (p.35).

Este fenômeno em crescente expansão tem como sustentação a chamada ‘sociedade do conhecimento’, “cujo paradigma é a capacidade de transformação [...] do indivíduo social por meio do conhecimento” (Managão, 2003, p. 9). Um ‘novo trabalhador’ é exigido nesse contexto, que enfatiza as ‘competências’ segundo um “comportamento independente na solução de problemas, a capacidade de trabalhar em grupo, de pensar e agir em sistemas interligados, e de assumir a responsabilidade no grupo de trabalho” (Markert 2000, apud Quartiero & Cerny, 2005, p.28).

A Educação Corporativa se justifica, segundo a literatura, pela 'incapacidade' do Estado em fornecer para o mercado mão-de-obra adequada. Desta forma, as organizações chamam para si essa responsabilidade, defendendo o deslocamento do papel do Estado para o empresariado na direção de projetos educacionais – Teoria do Capital Intelectual. “As empresas [...] ao invés de esperarem que as escolas tornem seus currículos mais relevantes para a realidade empresarial, resolveram percorrer o caminho inverso e trouxeram a escola para dentro da empresa” (Meister, 1999, p. 23).

Esse modelo educativo oferecido pelas empresas abrange várias modalidades de ensino, tais como: cursos técnicos (inglês, informática, etc.), educação básica (ensino fundamental e médio), pós-graduação lato sensu, entre outros. Ele emerge na década de 1950 nos Estados Unidos, a partir da crítica ao tradicional modelo de Treinamento e Desenvolvimento (T&D) das empresas, considerado então obsoleto para os padrões do ‘novo modelo produtivo’ – a acumulação flexível:

[...] as características de um setor de Treinamento e Desenvolvimento padrão se tornaram tão desgastadas que melhorias ou mesmo uma reengenharia mais forte não seriam suficientes para adequá-lo às novas necessidades de educação no espaço das organizações (Quartiero & Cerny, 2005, p. 34).

Naquele momento as empresas investiam nessa modalidade com o objetivo de ensinar aos trabalhadores ‘o como fazer’. As empresas inicialmente tinham como foco “desenvolver qualificações isoladas, para a criação de uma cultura de aprendizagem contínua, em que os funcionários [aprendessem] uns com os outros e [compartilhassem as] inovações e melhores práticas com o objetivo de solucionar problemas empresariais” (Meister, 1999, p.21).

No Brasil, a Educação Corporativa emerge na década de 1990 com a política neoliberal implementada no então governo Fernando Collor de Mello, no quadro de abertura econômica do país que impulsionou a ideologia da competição para o mercado globalizado. Esse modelo educacional assumido pelas empresas surgiu “no auge do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade – PBQP” (Martins, 2004, p.10).

Características da Educação Corporativa

Espaço físico – Segundo Martins (2004), as unidades de Educação Corporativa têm o espaço físico mais como um conceito do que uma realidade. As estratégias pedagógicas podem ocorrer por meio da educação presencial, à distância ou semipresencial. A modalidade à distância proporciona um aprendizado através de um ambiente virtual. Há instituições que atuam apenas em espaços virtuais, através da modalidade da Educação à Distância – EAD – ou o e-learning – aprendizado eletrônico –, propiciando maior flexibilidade do treinamento, uma vez que o aluno tem “mais liberdade para escolher o local e a hora para aprender, [além de proporcionar] a redução do custo” (Blois e Melca, 2005, p.59). Existem instituições que contam com espaços físicos próprios, direcionados aos treinamentos dos seus funcionários, e eventualmente, utilizam espaços acadêmicos ou hotéis.

As novas tecnologias - As novas tecnologias educacionais tornaram-se um ganho para a infra-estrutura educacional viabilizada pelas empresas. Através da Educação à Distância a “qualificação dos funcionários é realizada em um tempo menor e com custos reduzidos, salientando que a economia de tempo pode chegar a 50%, e de custo a 60%, em relação aos cursos presenciais” (Quartiero e Cerny, 2005, p.37). Através das ferramentas tecnológicas, o trabalhador pode aprender por meio de videoconferências, de cursos ministrados pela Internet, ou até mesmo pela Intranet da empresa. Nesse contexto, não existe mais a necessidade do trabalhador ausentar-se para fazer a capacitação, uma vez que o conhecimento ‘vai a ele’.

Público-alvo – Pretende atender aos ‘colaboradores internos’ – os funcionários –, ‘os colaboradores externos’ – os familiares dos funcionários, fornecedores, clientes e a comunidade em geral que são atendidos, principalmente, por intermédio das ações de responsabilidade social.

Corpo docente – Cerca de 70% dos docentes são os próprios gerentes e executivos das instituições corporativas, enfatiza-se a atuação destes como forma de “agregar valor à cadeia produtiva” (Martins, 2004, p.44). A utilização dos gerentes traz um duplo benefício ao conhecimento organizacional:

[...] receber gerentes [...] não apenas para ensinar os conceitos que utilizam todos os dias na sua vida profissional, mas também para adequar esses conceitos à realidade dos [‘colaboradores’]. [...] [Além], das vantagens econômicas. Em vez de contratar facilitadores profissionais, [usa-se] a própria força de trabalho (Meister, 1999, p. 22).

Certificação - A maior dificuldade encontrada pelas empresas está na certificação dos cursos de educação formal. Somente instituições acadêmicas credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) ou secretarias de educação (no caso da Educação Básica) podem emitir diplomas. A estratégia encontrada pelas empresas foi realizar parcerias com as ‘Universidades Tradicionais’ – nomenclatura pela qual o mundo corporativo denomina as Universidades Acadêmicas. Essas parcerias podem ser para validar a certificação dos cursos, como também para formatar um curso de acordo com a encomenda da empresa. Existem parcerias das empresas tanto com escolas e universidades públicas quanto privadas.

Um modelo de educação profissional pautado pelo mercado e tendo como principal finalidade a disseminação da cultura organizacional e o atendimento do plano estratégico da empresa, não atende à necessidade social de um projeto de formação humana comprometido com a construção de justiça social e a igualdade.

Para saber mais

BLOIS, M. & MELCA, F. Educação corporativa: novas tecnologias na gestão do conhecimento. Rio de Janeiro: Edições Consultor, 2005.

EBOLI, M. Educação Corporativa no Brasil: Mitos e Verdades. São Paulo: Editora Gente, 2004.

GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

GRAMSCI, A. Escritos Políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. v. 1.

MANAGÃO, K. C. Z. Universidade Corporativa: um mecanismo do aparelho ideológico educativo. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Educação – Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, 2003).

MARKERT, W. Novos paradigmas do conhecimento e modernos conceitos de produção: implicações para uma nova didática na formação profissional. Educação e Sociedade. Campinas, n.72, ago., p.177-196, 2000.

MARTINS, H. G. Estudos da Trajetória das Universidades Brasileiras, 2004. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro/ COPPE

MEISTER, J. C. Educação corporativa. São Paulo: Makron Books, 1999.

QUARTIERO, E. M. & CERNY, R. Z. Universidade Corporativa: uma nova face da relação entre mundo do trabalho e mundo da educação. In: QUARTIERO, E. M. & BIANCHETTI, L. (Orgs.) Educação corporativa: mundo do trabalho e do conhecimento: aproximações. São Paulo: Cortez, 2005.

RAMOS, G. S. Um novo espaço de (con)formação profissional: a Universidade Corporativa da Companhia Vale do Rio Doce - VALER e a legitimação da apropriação da subjetividade do trabalhador. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz/ Instituto Oswaldo Cruz, 2007.

SANTOS, A. F. T. dos. Teoria do capital intelectual e teoria do capital humano: Estado, capital e trabalho na política educacional em dois momentos do processo de acumulação.In: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação. Anais eletrônicos da 27a Reunião Anual. Caxambu: Minas Gerais, 2004. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt09/t095.pdf Acessado em: 12 de fevereiro de 2007.

SANTOS, A.F.T. et al. Formação de Trabalhadores no Modelo da Educação Corporativa. In: ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO (Org.). Estudos de politecnia e saúde. V. 2. Rio de Janeiro: EPSJV, 2007, p. 67-89.

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