Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.





Empregabilidade

Ramon de Oliveira

Para Nassin Mehedeff, ex-secretário de formação e desenvolvimento profissional do Ministério do Trabalho, durante a gestão Fernando Henrique Cardoso, período no qual foi desencadeada, talvez, a maior ação pública brasileira de qualificação profissional, o conceito de ‘empregabilidade’ foi lançado por especialistas em outplacement (Mehdeff, 1996). Esta palavra de origem inglesa representa um serviço prestado por especialistas em recursos humanos às empresas, objetivando melhor encaminhar o processo de dispensas de profissionais de nível superior, ou seja, aqueles que ocupavam cargos executivos. Contudo, também passou a contribuir no assessoramento desses profissionais demitidos de forma a facilitar a sua recolocação em outros locais de trabalho.

Embora esse conceito tenha como origem os profissionais de maior nível de qualificação, passou a ser largamente utilizado ao se fazer referências às parcelas da população com menor nível de escolarização e com menor poder de disputa por uma vaga no mercado de trabalho.

No sentido mais comum, ‘empregabilidade’ tem sido compreendida como a capacidade de o indivíduo manter-se ou reinserir-se no mercado de trabalho, denotando a necessidade de o mesmo agrupar um conjunto de ingredientes que o torne capaz de competir com todos aqueles que disputam e lutam por um emprego.

Não por acaso surge, nesse mesmo período, a década de 1990, a ênfase empresarial pelo requerimento de trabalhadores polivalentes, expressando, na visão empresarial, a possibilidade de os indivíduos ajustarem-se ao conjunto de modificações ocorridas no setor produtivo e no setor de serviços. Não por acaso também, o Plano Nacional de Formação Profissional, cuja meta era garantir a qualificação dos trabalhadores em risco social, objetivava serem perseguidas nos momentos de qualificação: habilidades para viver na sociedade moderna, habilidades para ocupar um posto no mercado de trabalho e habilidades de empreendimento (Brasil, MTb/Sefor, 1995).

O conceito de ‘empregabilidade’ surgiu como instrumento de relativização da crise do emprego, face à incapacidade do setor produtivo de incorporar ou manter, no seu interior, o mesmo número de trabalhadores. Surgiu como justificativa para o desemprego em massa, atribuindo à má qualificação dos trabalhadores a culpa por estes não atenderem às novas exigências do mercado de trabalho. Nesse cenário, torna-se importante entender como o conceito de ‘empregabilidade’ passou a se relacionar diretamente com as atividades de qualificação profissional e de valorização da educação básica.

No início dos anos 90, as agências multilaterais, tais como o Banco Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), preocuparam-se com uma Empregabilidade melhor articulação entre a educação e a melhoria da qualificação dos trabalhadores. Particularmente a Cepal (1992) pressupôs que essa articulação contribuiria para uma melhoria da participação dos países latino-americanos no cenário econômico internacional. De forma semelhante a esta instância ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), o empresariado industrial brasileiro expressou um maior interesse pela educação, alertando que a busca da formação de novas competências por parte das instituições tradicionais de qualificação profissional, através de seus cursos, teria uma repercussão direta no aumento das possibilidades de os trabalhadores inserirem-se no mercado de trabalho, em contínua mudança. Nesse período, pela primeira vez, o empresariado industrial brasileiro fez referência ao conceito de ‘empregabilidade’ (Oliveira, 2005).

A incerteza de um futuro emprego presente no conceito de ‘empregabilidade’ decorre do fato de o mesmo surgir num momento no qual a característica do mercado de trabalho, notadamente do setor de produção de mercadorias, ser a instabilidade ou a impossibilidade de projeção de futuro. O movimento contínuo de eliminação de postos de trabalho e a diminuição acentuada da intervenção estatal nos campos sociais e econômicos, no que diz respeito à garantia da reprodução da força de trabalho, deslocam para o indivíduo a responsabilidade pela criação de estratégias eficientes de inserção ou permanência no mercado de trabalho.

Contraditoriamente à lógica neoliberal de comprometimento do Estado com a oferta de serviços sociais básicos, à educação é atribuída a responsabilidade de não só garantir a formação de trabalhadores mais capazes de se adequarem ao novo modelo de produção de mercadorias e de convivência societal, mas também ser o principal instrumento de fortalecimento do movimento ocorrido no mercado de trabalho, de aumento da eficiência e da produtividade. Vêem-se surgir políticas estatais de qualificação de mão-de-obra, bem como uma subsunção da escola à lógica economicista, pela emergência de práticas organizacionais e pedagógicas referenciadas em conceitos próprios do novo cenário socioeconômico, tais como: excelência na educação, qualidade total, pedagogia das competências etc.

O conceito de ‘empregabilidade’ surge, neste ínterim, como um mecanismo que retira do capital e do Estado a responsabilidade pela implementação de medidas capazes de garantir um mínimo de condições de sobrevivência para a população. Ao se responsabilizar os indivíduos pelo estabelecimento de estratégias capazes de inseri-los no mercado, justifica-se o desemprego pela falta de preparação dos mesmos para acompanharem as mudanças existentes no mundo do trabalho. Sob a ótica da ‘empregabilidade’, a necessidade de os indivíduos disporem de habilidades e conhecimentos adequados aos interesses da produção passa a ser o primeiro elemento considerado nas discussões a respeito das possibilidades de superação do desemprego existente.

Especificamente para a sociedade brasileira, ainda que no nível mundial talvez possa ser feita a mesma afirmação, observa-se uma diminuição da possibilidade de intervenção política, bem como o esvaziamento das posições contrárias à hegemonia do capital, por parte dos setores vinculados aos trabalhadores. Por outro lado, evidencia-se uma maior presença das organizações empresariais interferindo nas políticas governamentais, assegurando no plano político e econômico a legitimação dos seus interesses, obscurecendo outras concepções de desenvolvimento contrárias àquelas gestadas pelas classes e frações de classe economicamente dominantes (Oliveira, 2005).

As novas habilidades demandadas pelo mercado de trabalho e nesse caso, não exclusivamente pelo setor industrial, caracterizam-se por um conjugado de competências de ordem cognitiva que possam facilitar as intervenções dos trabalhadores nos locais de trabalho, numa perspectiva de aumento de produtividade e de maior responsabilidade com as tarefas a serem cumpridas.

Um dos questionamentos pertinentes à utilização em larga escala do conceito de ‘empregabilidade’ decorre do fato de as possibilidades de inserção no mercado de trabalho, embora fortemente relativas ao capital cultural disponível do indivíduo, não se resumirem a uma avaliação de suas competências para a ocupação de um posto. O momento atual de desenvolvimento do capitalismo estrutura-se por um forte movimento de eliminação dos postos de trabalho, expressando a busca do capital de tornar-se autônomo em relação à força de trabalho.

Levando-se em conta o destacado por Pochmann (2001), algumas questões devem ser levadas em consideração quando analisamos a possibilidade de inserção no mercado de trabalho. A primeira refere-se ao fato de o capital tender a buscar novas formas de gerenciamento da produção como mecanismo de aumento das suas taxas de acumulação, e esse mecanismo ressalta a diminuição da utilização da mão-de-obra. Uma segunda questão diz respeito ao fato de que por mais que se aponte a necessidade de o trabalhador ter mais envolvimento com o processo de produção, tal envolvimento nem sempre pressupõe uma maior qualificação.

O capital dispõe de maiores condições para explorar os trabalhadores, para impor-lhes um maior número de responsabilidades, sem que isso seja acompanhado do aumento real de salários. Além disso, os patrões estão mais à vontade para estabelecer níveis maiores de seletividade no processo de contratação. Logo, o discurso corrente de acúmulo de competências visando ao aumento da ‘empregabilidade’ mostra-se esvaziado de coerência e de sustentação empírica, caracterizando-se como uma falsa explicação que procura direcionar para os próprios indivíduos a responsabilidade pela sua condição de desempregado.

Nesse sentido, podemos dizer que a incapacidade de criar mecanismos eficazes para a diminuição do desemprego em massa obriga a implementação de mecanismos ideológicos justificadores das contradições na sociedade capitalista. Procura-se utilizar justificativas para desviar do campo das relações de conflito entre capital e trabalho, o motivo pelo qual milhões de pessoas ficam destituídas das condições mínimas de garantia de sobrevivência.

O conceito de ‘empregabilidade’ encaixa-se perfeitamente nesse movimento, uma vez que retoma com um novo formato explicações que desarticulam a existência da pobreza, da marginalidade e da desigualdade social ao que está estabelecido no plano das relações econômicas capitalistas. Estes fenômenos são tidos como conseqüências de um movimento produzido pelas próprias pessoas visando à satisfação de seus interesses. O conceito de ‘empregabilidade’ esvazia a idéia de um movimento integrador e de responsabilidade coletiva. Não à toa sua assunção evidenciar-se num momento no qual se torna mais evidente a desresponsabilização do Estado com as políticas sociais, bem como a minimização de sua atuação como regulador das relações entre capital e trabalho.

Para saber mais

BRASIL/MTb/SEFOR. Educação Profissional: um projeto para o desenvolvimento sustentado. Brasília: Sefor, 1995.

CEPAL/UNESCO. Educación y Conocimiento:eje de la transformación productiva con equidad. Santiago do Chile: s.n., 1992.

GENTILI, P. Educar para o desemprego: a desintegração da promessa integradora. In: FRIGOTTO, G. (Org.) Educação e Crise do Trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 2000.

MEHEDFF, N. G. A era da empregabilidade. O Globo, Rio de Janeiro, 9 out. 1996.

OLIVEIRA, R. de. A (Des)qualificação da Educação Profissional Brasileira. São Paulo: Cortez, 2003.

OLIVEIRA, R. de. Empresariado Industrial e Educação Brasileira: qualificar para competir? São Paulo: Cortez, 2005.

POCHMANN, M. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001.

RAMOS, M. N. A Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? São Paulo:  Cortez, 2001.

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