Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.





Capital Intelectual

Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos

Surgida no contexto da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, a Teoria do Capital Intelectual caracteriza-se pela afirmação de que o conhecimento é o principal fator de produção da era contemporânea.

“A informação e o conhecimento são as armas nucleares da nossa era” (Stewart, 1998, p. 13). A partir desse argumento, considera-se que o esforço das organizações deve voltar-se para a produção e gestão desse componente da cadeia de valor. Uma das conseqüências seria a legitimação da intensificação do controle do capital sobre a formação dos trabalhadores.

Com as atuais modalidades de gestão do trabalho, nomeadas de modo genérico como modelo japonês, toyotismo ou modelo de acumulação flexível, habilidades como facilidade para o trabalho em equipe e polivalência seriam fundamentais para que o conhecimento se constituísse como parte da estrutura da organização. Daí representarem requisito exigido da força de trabalho no discurso hegemônico.

Autores como Nonaka e Takeuchi (1997), Sveiby (2001) e Stewart (1998), destacam a importância do conhecimento tácito como elemento estratégico na composição do capital intelectual, considerado em seus trabalhos como o principal ativo das organizações.

O conhecimento tornou-se o principal ingrediente do que produzimos, fazemos, compramos e vendemos. Resultado: administrá-lo – encontrar e estimular o capital intelectual, armazená-lo, vendê-lo e compartilhá-lo – tornou-se a tarefa econômica mais importante dos indivíduos, das empresas e dos países. [...] O capital intelectual constitui a matéria intelectual – conhecimento, informação, propriedade intelectual, experiência – que pode ser utilizada para gerar riqueza (...)
Uma vez que o descobrimos e exploramos, somos vitoriosos. [...] A gerência dos ativos intelectuais se tornou a tarefa mais importante dos negócios porque o conhecimento tornou-se o fator mais importante da produção. [...] O capital Intelectual é a soma do conhecimento de todos em uma empresa, o que lhe proporciona vantagem competitiva (Stewart,p. 11-23).

Segundo esse mesmo autor, o capital intelectual compõe-se de: Capital Humano; Capital Estrutural; e Capital de Marca (também chamado capital-cliente).

Capital humano diz respeito à dimensão individual da parcela de conhecimento pertencente ao trabalhador; esta dimensão não mais é considerada suficiente para assegurar a reprodução do capital, além de representar risco de depreciação, visto que permanece sob a posse do trabalhador. Ainda na Teoria do Capital Humano, seus autores manifestavam preocupação quanto ao risco de se manter, sob a propriedade individual do trabalhador, um fator de produção estratégico como o conhecimento. Alertavam, por isso, para a necessidade de se cuidar para que se preservasse ao máximo a vida útil do trabalhador, diminuindo sua taxa de depreciação.

Já o capital estrutural designa a mudança de posse do conhecimento da esfera individual para a esfera organizacional. Quando o conhecimento deixa de pertencer à esfera individual (propriedade, portanto, do trabalhador) e passa a pertencer à esfera organizacional, sob a forma de conhecimento coletivo, da equipe ou do ‘time’, passa a ser designado capital estrutural. Esse salto é decisivo para facilitar, ao capital, ofensivas em direção à precarização do trabalho e de eliminação de medidas de proteção à durabilidade da vida útil individual do trabalhador. Não mais portando individualmente um ‘fator produtivo’ considerado fundamental, o conhecimento, não há mais necessidade de preservação de sua vida e saúde. O controle do capital sobre a formação dos trabalhadores encontra na Teoria do Capital Intelectual mais um argumento.

Além do conhecimento explícito, faz parte da composição do capital intelectual o conhecimento tácito. A expropriação do conhecimento tácito do trabalhador encontra sua materialização no domínio do capital estrutural, em que o conhecimento portado pelo indivíduo, objeto da Teoria do Capital Humano, passa a pertencer à organização, sob a forma de conhecimento da equipe. Técnicas como o kaisen (soluções de melhorias contínuas oferecidas pelos próprios trabalhadores por meio de métodos de gestão participativos oriundos do modelo japonês) favorecem a expropriação, objetivação, padronização e reapropriação, pelo capital, do conhecimento tácito. É o momento da passagem do conhecimento como atributo individual do trabalhador a conhecimento como atributo da equipe. Como a equipe se constitui como uma instância da organização, compondo a dimensão do capital intelectual conhecida como capital estrutural, aprofunda-se o fenômeno da subsunção do trabalho ao capital.

Quanto ao terceiro elemento, o capital de marca ou capital-cliente, trata-se da imagem da organização na sociedade, no mercado. A rede de associações positivas entre a marca e seus significados ultrapassa os atributos da mercadoria-produto e alcança a dimensão da mercadoria como valor social.

Ações de ‘responsabilidade social’, como parte das estratégias de marketing, constituem o terreno para a acumulação do chamado ‘capital de marca’, representando elemento contábil não somente no que diz respeito a possíveis isenções fiscais, como, sobretudo, nos ganhos de imagem.

Na Teoria do Capital Intelectual, difundida no contexto do chamado Estado mínimo neoliberal, o capital assume para si a função de dirigente de projetos educacionais formais e não-formais, de modo diverso do contexto gerador da Teoria do Capital Humano, no qual o capital ainda se propunha a utilizar-se do Estado para a execução de seu projeto de formação dos trabalhadores (Schultz, 1973). O deslocamento do papel do Estado para o empresariado na direção e execução, e não apenas na formulação ideológica de projetos educacionais, se apresenta com a justificativa da mudança de base técnica do trabalho - substituição do modelo fordista pelo modelo de acumulação flexível -, gerando, segundo o discurso hegemônico, a necessidade de um ‘novo trabalhador’, formado de acordo com o ethos da empresa.

A compreensão da centralidade da questão educacional no discurso do capital nas duas últimas décadas somente se torna possível quando situada no movimento de restauração hegemônica do bloco dominante em suas múltiplas faces, como a econômica, a política e a técnica. A partir da segunda metade da década de 1980, ainda timidamente, sob o pretexto da crise do fordismo e da implantação de novas bases técnicas do sistema produtivo, o ‘capital intelectual’ (ou sua insuficiência) passa a ser nomeado responsável pelo sucesso ou fracasso no desenvolvimento das forças produtivas. O apelo freqüente à relação determinista entre empregabilidade, eficiência e competitividade denota, nessa formação discursiva, o esforço pela ocultação das outras dimensões do processo produtivo, como a lógica de acumulação e produção de excedente. No novo modelo, divulgado como símbolo de ruptura com o fordismo e toda a sua carga de ‘desumanidade’, faz-se necessário um ‘novo trabalhador’, mais comprometido afetivamente com a organização e com a produtividade, segundo tal formulação, mais humanizada no neofordismo. Não se indaga como será distribuído socialmente o produto de toda a produtividade almejada, entretanto, a campanha pelo engajamento e pela adesão ética do trabalhador aos interesses da empresa é justificada pelo determinismo tecnológico: novas bases técnicas de produção exigem novo perfil profissional e novo modelo de educação, preferencialmente protagonizado pelo agente mais qualificado para esta tarefa, por ser o principal beneficiário: a empresa.

Na década de 1960, na vigência do Estado de Bem-estar Social, desenvolve-se a Teoria do Capital Humano, formulada por T. Schultz (1973) e posteriormente desenvolvida por Gary Becker, como tentativa de explicar o valor econômico da educação e seus impactos sobre a produtividade. Essa teoria dizia respeito essencialmente aos custos e às taxas de retorno dos investimentos na educação dos trabalhadores.

Na década de 1990, quando já entrava em vigor o modelo neoliberal, desenvolve-se a Teoria do Capital Intelectual. Alega que o conhecimento é fator de produtividade decisivo e central nos novos modelos de produção e de gestão do trabalho. Mais do que a simples retomada de uma elaboração teórica gerada em uma fase da hegemonia do capital em que o Estado cumpria papel mais relevante na execução das políticas sociais (a Teoria do Capital Humano), os apelos educacionais da classe dominante no modelo neoliberal dos últimos anos, no espectro da Teoria do Capital Intelectual, expressa as modificações do próprio papel do estado social no neoliberalismo.

Na época do surgimento da Teoria do Capital Humano, na fase de acumulação marcada pelo Estado de Bem-estar, a relação do capital com o Estado permitia uma aliança com o aparente protagonismo do segundo na elaboração das políticas educacionais. Já a relação entre capital e Estado no neoliberalismo ressalta a campanha de desmoralização e desmonte do Estado, o que, em parte, justifica a extrema ênfase dada pelo capital e seus representantes, os organismos internacionais, ao papel de sua própria classe na formulação e implementação de políticas e práticas educacionais.

Outro fator de distinção entre a Teoria do Capital Humano e a Teoria do Capital Intelectual diz respeito ao antigo problema da inalienabilidade do Capital Humano que preocupava Schultz e seus contemporâneos, que é minimizada com as novas bases técnicas do sistema produtivo, como as novas tecnologias da informação e da comunicação.

Note-se que a sutil mudança de terminologia, de capital humano para capital intelectual representa o avanço da classe hegemônica em seus propósitos de objetivação, expropriação e controle do conhecimento. O humano pode ser inalienável, mas o intelectual pertence à organização. “(...) o que há de novo? Simplesmente o fato da gerência de ativos intelectuais ter se tornado a tarefa mais importante dos negócios, porque o conhecimento tornou-se o fator mais importante da produção” (Stewart,1998, p. 17).

De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), novas formas de gerenciamento, que eles associam ao modelo oriental, adotam a exploração do conhecimento tácito e não do explícito, como no modelo ‘ocidental’. É na apropriação do saber tácito que reside o ‘segredo’ da formação e preservação do capital intelectual. Na última década desenvolvem-se no campo da Economia diversas linhas de pesquisa (como na FGV, por exemplo) voltadas para a mensuração das taxas de retorno e da quantificação do impacto do investimento em Capital Intelectual.

Considerar o conhecimento como fator estratégico da produção e ignorar sua própria mercantilização e o controle de sua produção e distribuição de acordo com a divisão internacional do trabalho levaria a uma concepção acrítica da relação capital-trabalho- conhecimento-poder. Além de obscurecer o antagonismo de classes e o problema da propriedade privada dos meios de produção.

Para saber mais

NONAKA, I. e TAKEUCHI, H. Criação de Conhecimento na Empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

SANTOS, A. F. T. dos. Teoria do capital intelectual e teoria do capital humano: Estado, capital e trabalho na política educacional em dois momentos do processo de acumulação.In: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação. Anais eletrônicos da 27a Reunião Anual. Caxambu: Minas Gerais, 2004. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt09/t095.pdf Acessado em: 12 de fevereiro de 2007.

SCHULTZ, T. O Capital Humano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

STEWART, T. A. Capital Intelectual – A nova vantagem competitiva das empresas. 10a ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

SVEIBY, C. É. A nova riqueza das organizações. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

© 2009 Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Todos os direitos reservados.
Fundação Oswaldo Cruz. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.
Av. Brasil - 4365 - Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - CEP 21040-900 Brasil - Tel.: (21) 3865.9797