Dicionário da Educação Profissional em Saúde

Uma produção:Fiocruz /EPSJV.





Precarização do Trabalho em Saúde

Denise Elvira Pires

Este termo tem sido utilizado para designar perdas nos direitos trabalhistas ocorridas no contexto das transformações do mundo do trabalho e de retorno às idéias liberais de defesa do estado mínimo, que vêm surgindo, especialmente, nos países capitalistas desenvolvidos a partir da terceira década do século passado. Em termos genéricos refere-se a um conjunto amplo e variado de mudanças em relação ao mercado de trabalho, condições de trabalho, qualificação dos trabalhadores e direitos trabalhistas, no contexto do processo de ruptura do modelo de desenvolvimento fordista e de emergência de um novo padrão produtivo (Mattoso, 1995).

No final dos anos 60 do último século o modelo fordista de desenvolvimento entra em crise: cresce a insatisfação dos operários com a organização taylorista-fordista de execução de tarefas maçantes e repetitivas, ainda que bem pagas; explodem movimentos sociais, sindicais e extra-sindicais; as empresas aumentam os preços gerando inflação, questionam os compromissos estabelecidos no Welfare State, e assumem políticas que prejudicam as conquistas trabalhistas. Deste processo emergem mudanças marcadas pela inovação tecnológica, por mudanças nas formas de organização e gestão do trabalho e pela descentralização da produção, invertendo-se a tendência de verticalização das empresas.  Cresce a terceirização, flexibilizam-se as relações trabalhistas, bem como muda a estrutura vertical das instituições emergindo um modelo de rede, com forte colaboração interempresas e intersetorial. A empresa ou instituição mantém o que é central e terceiriza parte do seu processo de produção. Deste modo, o trabalho não é desenvolvido apenas pelo trabalhador assalariado e protegido pelos benefícios do Estado de bem-estar social. A flexibilização e estruturação de rede interempresarial possibilita que o processo de produção envolva trabalhadores submetidos a diversas formas de contratação, recebendo salários diferenciados para a realização de trabalhos semelhantes e sem os mesmos benefícios que os trabalhadores da empresa-mãe. A confecção de um produto pode resultar do trabalho desenvolvido de diversas formas: prestação de serviço, trabalho por tempo determinado, trabalho part-time, assalariados de empresas terceiras, membros de cooperativas, e outras. Essa multiplicidade de formas de contratação difere da padronização fordista e tem sido chamada pelos defensores de ‘flexibilização’ (Piore & Sabel, 1984). No entanto, porque, majoritariamente, implica perdas de direitos, tem sido chamada tem pelos críticos de ‘precarização’. A literatura também registra que a ‘precarização do trabalho’, com múltiplas relações contratuais, tem contribuído para aumentar as dificuldades de representação e atuação sindical deixando os trabalhadores desprotegidos e mais vulneráveis às exigências gerenciais e patronais (Mattoso, 1995; Pires, 1998).

Esse processo tem ocorrido com maior intensidade na produção industrial e nos setores de ponta da economia, mas tem afetado, de modo diferenciado, todos os setores da produção na sociedade. É visível no setor de serviços em geral (Offe, 1991) e na saúde em particular.

Uma das mudanças recentes, no âmbito do trabalho em saúde no Brasil, é o crescimento do número de trabalhadores sem as garantias trabalhistas de que gozam os demais trabalhadores assalariados da instituição. Encontra-se: contratos temporários; trabalhadores contratados para realizar atividades especiais (plantonistas em hospitais, por exemplo); flexibilização na contratação de agentes comunitários de saúde e equipes de saúde da família pelo governo brasileiro; e o trabalho temporário previsto no Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde.

Como nos demais setores da produção, a terceirização também cresce na saúde e tem sido utilizada pelos empregadores tanto do setor público quanto do privado, para diminuir os custos com a remuneração da força de trabalho e para fugir das conquistas salariais e direitos trabalhistas dos trabalhadores efetivos da empresa-mãe (instituição-original) (Dieese, 1993; Pires, 1998; Pires, Gelbcke & Matos, 2004). No entanto, é importante considerar que a flexibilização nas formas de contratação, bem como a terceirização, não é sempre sinônimo de ‘precarização’, apesar de, no caso brasileiro, majoritariamente, essas iniciativas terem o sentido de redução dos custos com a força de trabalho e de ‘precarização’. Dependendo do contexto institucional e histórico em que os tipos de contratação ocorrem, flexibilizar pode não ser sinônimo de precarizar. Na Holanda, por exemplo, o trabalho part-time é um direito dos trabalhadores que foi conquistado em lei, em 2000, como fruto de negociação sindical. Os trabalhadores podem optar pelo regime part-time; nestes casos, a remuneração corresponde às horas trabalhadas, mas não ocorre perda de direitos trabalhistas (Pires, 2004). 

O Ministério da Saúde do Brasil reconhece a existência de múltiplas formas de trabalho precário em saúde e elabora, através da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, um “Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS” com estratégias definidas para a reversão do quadro. ‘Precarização’ é um termo amplo que se unifica pelo sentido de perda de direitos. Para o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), o trabalho precário está relacionado aos vínculos de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) que não garantem os direitos trabalhistas e previdenciários consagrados em lei. Para as entidades sindicais que representam os trabalhadores que atuam no SUS, trabalho precário está caracterizado não apenas como ausência de direitos trabalhistas e previdenciários consagrados em lei, mas também como ausência de concurso público ou processo seletivo público para cargo permanente ou emprego público no SUS. 

Para saber mais

DIEESE. Os Trabalhadores Frente à Terceirização. São Paulo, maio 1993. (Pesquisa Dieese, n. 7). 

MATTOSO, J. E. L. A Desordem do Trabalho. São Paulo: Página Aberta / Escrita, 1995. 

OFFE, C. Trabalho e Sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991. v.2 – Perspectivas. 

PIORE, M. & SABEL, C. The Second Industrial Divide? Possibilities for Prosperity. New York: Basic Books, 1984. 

PIRES, D. Reestruturação Produtiva e Trabalho em Saúde no Brasil. São Paulo: Annablume, 1998. 

PIRES, D. Relationship between New Technologies and the Health of Health Care Professionals: a study in a Dutch hospital. Amsterdam, 2004. (Research Report) 

PIRES, D. E.; GELBCKE, F. L. & MATOS, E. Current labour changes and their implications for the health care workforce. In: 7th World Conference on Injury Prevention and Safety Promotion, 2004, Viena. Anais…Viena, 2004, p. 612- 613.  

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